New York Times: Em breve, na terra da TV: Internet

O rápido crescimento de empresas de produtos eletrônicos como provedoras de vídeo por Internet desafia o controle das empresas de cabo, telefone e satélite, que dominam a distribuição de conteúdo digital para as residências


John Markoff
Em Las Vegas, Nevada


09/01/06


Como seria um mundo com a televisão chegando pela Internet?


Em vez de assistir a uma programação predeterminada pelos canais de televisão aberta, por cabo ou satélite, os espectadores poderiam buscar na Internet e escolher dentre centenas de milhares de programas, que seriam enviados a eles por conexões de alta velocidade. Na Mostra Internacional de Eletrônicos ao Consumidor desta semana, um futuro dominado pela televisão por Internet, ou IPTV, pareceu possível, talvez até inevitável.


Gigantes como Yahoo e Google procuraram oferecer uma programação por Internet. A Intel apresentou chips e plataformas que podem levar os vídeos enviados por uma conexão de Internet às telas da sala de estar. E a Microsoft buscou alianças que permitissem que seus programas dominassem não só os computadores e escritórios, mas o entretenimento.


"Em um nível, está claro que a represa estourou", disse Paul Otellini, diretor executivo da Intel. "Há um movimento inevitável que visa usar a Internet como meio de distribuição, e isso não vai parar."


O rápido crescimento de empresas de produtos eletrônicos e computadores como provedoras de vídeo por Internet certamente desafiará o controle das empresas de cabo, telefone e satélite, que procuram dominar a distribuição de conteúdo digital para as residências. A competição intensificou-se na medida em que mais consumidores atualizaram seus aparelhos para televisões digitais.


De fato, a disponibilidade de conteúdo por demanda pela Internet certamente exacerbará a expectativa do consumidor de ter maior controle sobre o conteúdo de vídeo digital, tanto para terem a liberdade de assistir aos programas quando quiserem quanto para ver o conteúdo em diferentes tipos de monitores em cômodos diferentes da casa.


"A televisão com base no horário morreu. A indústria do cabo realmente está correndo o perigo de se tornar uma commodity", disse William Randolph Hearst III, sócio da Kleiner Perkins Caufield & Byers, firma do Vale do Silício.


Hearst participa do conselho da Akimbo, provedora de um serviço de Internet que permite ao usuário baixar conteúdo de vídeo pela Internet para um decodificador digital que o transmite para a televisão. Nesta semana, a Akimbo anunciou seu primeiro grande acordo de conteúdo, sob o qual seus clientes poderão baixar filmes de Hollywood para ver mais tarde em seus televisores.


Na batalha pela sala de estar, as empresas de cabo, satélite e, cada vez mais, de telefone, estão tentando defender seu território, oferecendo aos clientes mais escolhas de conteúdo de vídeo por encomenda.


Mas será difícil lutar contra a amplitude e liberdade Internet. No início da era das ponto.com, grandes empresas de serviços online, como a AOL, Compuserve e MSN, tentaram prender seus clientes em jardins eletrônicos murados de informação digital.


Rapidamente, porém, ficou aparente que nenhuma empresa sozinha poderia competir com a variedade de informações e fontes de entretenimento oferecidas pela Web.


O mesmo fenômeno pode acontecer com as provedoras de televisão tradicionais. Potencialmente, a IPTV pode substituir o mundo de 100 ou 500 canais de empresas de cabo e satélite com milhões de combinações híbridas, que misturam vídeo e texto com uma interatividade estilo videogame.


Apesar de ainda ser nova, a IPTV já está comercialmente disponível em áreas limitadas nos EUA e no exterior. Por enquanto, o novo conteúdo digital da Internet é difícil de encontrar e de qualidade irregular. Além disso, a indústria de eletrônicos ainda está com dificuldades para finalizar acordos de proteção dos direitos autorais com Hollywood e outros fornecedores de conteúdo.


Mas a vantagem da IPTV é que pode custar menos que os atuais sistemas de televisão a cabo e podem oferecer aos consumidores características como habilidade de gravar vários programas simultaneamente sem ter que adicionar caros decodificadores adicionais. (E a IPTV potencialmente pode gravar muitas faixas, se a banda for larga o suficiente.)


Um protótipo do serviço de IPTV da Microsoft, conhecido pela indústria como matrix channel, permite que vários jogos de beisebol sejam assistidos simultaneamente, além de informações de texto como estatísticas dos jogadores.


A busca pela Internet também deve ter um papel de definição na formatação da IPTV, de acordo com executivos que participaram da mostra de eletrônicos.


Tanto a Yahoo quanto a Google anunciaram na mostra planos de distribuir conteúdo de vídeo. A Yahoo apresentou um novo programa, que deve ser usado com uma televisão de alta definição, para facilitar a busca por conteúdo de vídeo, ver vídeo digital e permitir que os usuários manejem suas informações e arquivos pessoais sincronizados no PC, televisão ou telefone celular.


Os patrocinadores da proposta ressaltam que o acesso aberto a vídeos pela Internet ainda está em sua infância e que a batalha vai aumentar quando uma nova geração de conexões mais rápidas de Internet chegar às casas. Para baixar vídeo digital é preciso ter banda larga de cerca de 1,5 megabits para vídeos convencionais Ntsc, e 6 a 8 megabits para vídeos de alta definição.


Atualmente, as bandas largas nos EUA chegam apenas a 1,5 megabits ou menos, mas essas velocidades estão começando a aumentar, depois de anos de atraso, na medida em que a DSL e empresas de cabo aprimoram suas plantas e equipamentos com linhas de fibra ótica.


Algumas empresas poderosas estão ansiosas para chegar aos lares sem se sujeitarem a acordos especiais com provedoras de DSL, cabo e conexão por satélite.


São empresas como Apple, Google, Intel, Microsoft, Yahoo e outras, que estão tornando disponível um conteúdo de vídeo cada vez mais amplo, mais próximo de um mundo de 5 milhões de canais do que de 50 ou mesmo 500.


Na última quinta-feira (5/1), a Intel apresentou seu novo computador ViiV, que busca levar a capacidade do computador para a sala de estar. A tecnologia ViiV será comum a computadores e decodificadores para televisores.


Centenas de empresas de eletrônicos e computadores anunciaram planos de montar sistemas baseados em ViiV. Otellini disse que mais de 100 empresas, inclusive a AOL, Espn, MTV, NBC e Turner Broadcasting, ofereceriam conteúdo digital para sistemas ViiV.


Em sua apresentação na mostra, na quarta-feira, Bill Gates, diretor da Microsoft, disse que o Centro de Mídia para a televisão do Windows estaria disponível para os novos computadores ViiV.


O principal obstáculo que vinha impedindo essa possibilidade de distribuição de conteúdo digital foi ultrapassado, disse Gates, porque a indústria de eletrônicos começou a fechar acordos de proteção dos direitos do conteúdo com Hollywood.


Muitos executivos da indústria acreditam que Steven P. Jobs estenderá o serviço de vídeo dos iPods da Apple, o iTunes, para a sala de estar, possivelmente já na semana que vem, na exibição anual MacWorld, em San Francisco.


A Microsoft também está cooperando com dois dos maiores fornecedores de serviços de telefone. Depois de passar mais de uma década cortejando a indústria de cabo, com um plano originalmente chamado de Cablesoft, a Microsoft mudou de aliados e agora está apresentando sua tecnologia com provedores de serviços telefônicos.


No último outono, AT&T e Verizon começaram a fazer apresentações limitadas da versão da Microsoft para a IPTV. Críticos disseram que as empresas de telefone estavam limitando intencionalmente a capacidade da Internet de seus serviços para parecerem com as ofertas tradicionalmente fechadas da televisão a cabo.


"Estão tentando construir um mundo separado, para manterem seu jardim murado", disse Robert Frankston, pioneiro da indústria de computadores pessoais e ex-pesquisador da Microsoft.


A tensão crescente começou a aparecer nas objeções de provedoras de cabo e DSL, que estão ameaçando criar taxas para provedores de conteúdo de Internet e ameaçando criar classes de Internet em que clientes especiais têm linhas de alta performance reservadas.


"Eles acreditam que se você controla a interface com o usuário, faz mais dinheiro do que se for um tubo oco", disse Rob Glaser, diretor executivo da RealNetworks, provedora de música e vídeo pela Internet.


Executivos da Microsoft defenderam a forma como as empresas de telefone estão empregando a tecnologia de IPTV, dizendo que, se os consumidores forem expostos ao caos e qualidade irregular da Internet aberta, o desenvolvimento de novos serviços será prejudicado.


"Você precisa começar com alguma coisa fácil de usar e que não seja assustadoramente grande. Se fizermos isso direito, a experiência será parecida com a da televisão de hoje, só que melhor", disse Christine A. Heckart, gerente de marketing da divisão de televisão da Microsoft.


Ela admitiu que talvez a geração de hoje, acostumada à Internet, queira uma experiência mais interativa do que a televisão tradicional e que não esteja disposta a ser limitada por seus fornecedores de serviços de televisão.


A Microsoft saiu na frente na oferta da tecnologia de IPTV. No entanto, na mostra de eletrônicos deste ano, a Intel mostrou significativa independência e apresentou seu próprio programa, que inclui capacidade de gravação de vídeo digital com sua plataforma ViiV.


As duas empresas, porém, estão tentando mudar a natureza da televisão, tornando possível para as pequenas competirem com as grandes redes. Elas tornam disponível conteúdo que nunca antes conseguiu atingir um público global.


Uma dessas firmas menores é a International Television Networks Inc., de Laguna Niguel, Califórnia. Recentemente, ela fechou um acordo com a National Lacrosse League, para transmitir todos os jogos da liga, assim como descrições especiais dos jogadores.


A empresa adotou uma estratégia de tornar o conteúdo de vídeo disponível para mercados especializados, o que antes não era possível, com a tecnologia de transmissão de televisão tradicional.


"Posso fazer tudo que uma empresa de cabo faz", disse David Koenig, fundador da empresa, "mas vou ter 100.000 canais".


 


Fonte: Site New York Times